É fácil de encontrar algum conhecido que tenha esperança no potencial extraordinário dos tratamentos terapêuticos com células-tronco. O assunto é controverso mesmo no meio médico. Cientistas também não escapam da confusão, afinal são diversos tipos de células-tronco com diferentes aplicações. Simplesmente não dá pra saber tudo o que está acontecendo. Nessa situação, a sociedade sai perdendo, pois não tem acesso a informações atualizadas, não sabe quais os tratamentos disponíveis. Pior, fica sem saber se pode ou não confiar em tal clínica, quanto custa o tratamento ou se é realmente seguro e eficaz.
Células-tronco estão na mídia o tempo todo, mas a informação que chega até o paciente é pulverizada. Foi com a intenção de centralizar essas informações e facilitar a transmissão dos dados sobre tratamentos disponíveis a pacientes e profissionais de saúde que a Sociedade Internacional de Pesquisa com Células-Tronco (ISSCR, na sigla em inglês) lançou recentemente um portal de acesso para a comunicação dos avanços em células-tronco na área clínica (http://www.closerlookatstemcells.org//AM/Template.cfm?Section=Home).
O ISSCR é uma sociedade internacional sem fins lucrativos cujo objetivo é a divulgação dos avanços na área de células-tronco. Participo da sociedade desde sua criação, em 2002, e sempre admirei a forma como é liderada, com uma mistura balanceada de cientistas, pacientes e clínicos. O lançamento desse portal ressalta a preocupação da ISSCR com a transmissão da informação ao público, de forma transparente e sem preconceito.
O portal é bem organizado, de fácil navegação e com linguagem leiga, acessível. A grande desvantagem para o público brasileiro é que a página não tem tradução para o português. Por outro lado, as vantagens são muitas. Além de listar diversas informações úteis e vídeos de cientistas discutindo terapias, oferecidos através de um sistema de busca simples, o portal é interativo e permite a avaliação independente de clínicas em qualquer lugar do globo que ofereçam tratamentos com células-tronco.
O paciente que considera um tratamento é auxiliado na avaliação do método e da clínica que o oferece. Uma série de questões são sugeridas para o paciente perguntar ao médico sobre o procedimento. Talvez mais importante seja a ferramenta que permite recomendar uma clínica para uma revisão científica e médica rigorosa feita pela ISSCR. O órgão vai avaliar a base cientifica, o procedimento clínico, as condições, os profissionais e a eficácia do tratamento, confirmando ou não se existe fraude envolvida.
O protocolo de avaliação levará alguns meses e será padrão. O comitê é formado por membros internacionais, evitando qualquer tipo de preconceito contra o tratamento oferecido. A ISSCR preferiu seguir esse procedimento ao invés de apenas listar as clínicas que considera de baixa qualidade, o que poderia ser algo certamente tendencioso. O racional da avaliação e o protocolo a ser utilizado foi publicado recentemente por um grupo multidisciplinar (Taylor e colegas, Cell Stem Cell 2010). A ideia é evitar que as clínicas se aproveitem do desespero do paciente, cobrando por um tratamento não provado ou ainda experimental. Todos os resultados serão publicados online. Acredito que, com o tempo, as próprias clínicas (pelo menos as mais sérias) vão fazer questão de ser validadas pela ISSCR, ganhando um selo de confiança e atraindo mais clientes.
Achei a idéia da avaliação internacional fantástica, pois permite que clínicas fora dos EUA ou Europa, que não sofrem com a lentidão dos padrões altamente rigorosos dos órgãos de saúde (o FDA americano e EMA europeu), de conseguir atrair atenção mundial com tratamentos efetivos, mas que sofriam preconceitos. Isso deve fortalecer a imagem da pesquisa clínica desses países, levando a publicações em revistas de alto impacto, por exemplo. A meu ver, ótima oportunidade para o Brasil.
Outra parte sensacional desse portal é dedicada ao processo de geração do conhecimento científico que leva a um protocolo clínico. Nessa seção, intitulada de “How science becomes medicine”, está descrito em detalhes e com linguagem clara quais são os passos que a ciência tem que seguir para descobrir e confirmar a eficácia de um tratamento.
As células-tronco exercem hoje um papel único na história da medicina. Pacientes desesperados pela cura, depositam todas as esperanças em tratamentos derivados das pesquisas com células-tronco. A dura realidade é que, salvo algumas doenças sanguíneas, as células-tronco não “curaram” nada até agora. O sonho da cura não pode ameaçar a qualidade da ciência. As direções a seguir no futuro só devem ser decididas pelos resultados gerados nos laboratórios e não por sonhos. A ciência é a única atividade humana que poderá transformar esperanças em realidade.